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ICPC 22, Criminalização do Não-Pagamento do ICMS e a cultura tributária do medo


Uma análise sobre questões que tem movimentado o ambiente de discussões tributárias brasileiro

Que o ambiente tributário brasileiro é, via de regra, um desfile constante de novidades – para as quais, nem sempre, o contribuinte foi suficientemente preparado –, não há dúvidas. Dito isso, vale a pena destacarmos dois pontos recentes que chamaram a atenção de especialistas e que tem gerado debates no qual convivem visões um tanto distintas.

O primeiro destes pontos se refere ao ICPC 22 (Interpretação Técnica do Comitê de Pronunciamentos Contábeis 22), aprovada no fim do ano passado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por meio da Deliberação CVM 804, que, na prática, explicita requisitos para o registro de contingências fiscais relacionadas ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL).

A segunda questão, por sua vez, aborda uma possível criminalização de dívidas do ICMS. O tema foi levantado pelo ministro do STF, Luís Roberto Barroso, em audiência pública sobre um recurso de Habeas Corpus no qual é discutido, justamente, se é ou não crime o não-pagamento de ICMS declarado.

Analisarei, pois, os dois complexos pontos ao longo dos próximos parágrafos.

ICPC 22: um entendimento geral

Em linhas gerais, o ICPC 22 determina que as empresas informem eventuais incertezas na apuração tributária e questionamentos da Receita Federal sobre os tributos incidentes sobre o lucro (IRPJ e CSLL).

Desta forma, o fato é que as companhias estarão antecipando o trabalho das autoridades fiscais, uma vez que, para todo caso em que a empresa tem dúvidas a respeito da aceitação do enquadramento tributário escolhido, será necessário destacar o chamado “tratamento fiscal incerto”.

A grosso modo, tal procedimento deverá ser realizado com o registro dos valores mais prováveis ou esperados para o tratamento fiscal. Vale salientar ainda a necessidade de reavaliação das estimativas contábeis, sempre que houver alguma mudança importante no cenário fiscal do país.

É importante ressaltar ainda que, antes da validação do ICPC 22 através da Deliberação CVM 804, as empresas precisavam dar destaque, tão somente, as contingências concretas e não fornecer um “mapa” para a Receita – fator que pode, em certa medida, ser considerado até inconstitucional, uma vez que, em interpretação do Artigo 5º da Constituição Federal, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.

O ambiente tributário brasileiro e o ICPC 22

Mas quais os impactos do ICPC 22 diante de um ambiente tributário tão complexo quanto o brasileiro?

Como bem observado pela professora da FGV e doutora em direito tributário, Vanessa Rahal Canado, em artigo para o Portal Jota, sem uma reformulação dos processos de integração da Fazenda e garantia de segurança jurídica para os contribuintes, é pouco provável que os propósitos da resolução sejam atingidos.

Ademais, o ICPC 22 traz riscos para os planejamentos tributários das empresas (além de outros processos diversos – da simples dedução de impostos a escolha de um regime tributário), as quais, mais do que nunca, precisarão contar com o suporte de verdadeiros especialistas, para que não corram riscos na definição de suas estratégias fiscais e demonstrações.

Afinal de contas, ao levarmos em conta o Item 13 do ICPC 22, que aponta que a empresa “deve reavaliar o julgamento ou a estimativa requerida por esta Interpretação se os fatos e circunstâncias sobre os quais se baseiam o julgamento ou a estimativa mudarem ou como resultado de novas informações que afetam o julgamento ou a estimativa anterior”, estamos diante de uma determinação extremamente complexa, quando pensamos, por exemplo, na dificuldade de interpretação e no próprio dinamismo da legislação tributária brasileira.

Vale lembrar que, em 2015, foi promulgada a Medida Provisória (MP) no. 685/15, cujo artigo 7º previa a obrigatoriedade de declarar atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo, via Escrituração Contábil Fiscal (ECF). A norma estaria compatível com Plano de Ação sobre Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros (Plano de Ação BEPS, OCDE, 2013), e o “principal objetivo dessa medida é instruir a administração tributária com informação tempestiva a respeito de planejamento tributário, além de conferir segurança jurídica à empresa que revela a operação, inclusive com cobrança apenas do tributo devido e de juros de mora caso a operação não seja reconhecida, para fins tributários, pela RFB. Ademais, destaca-se que a medida estimula postura mais cautelosa por parte dos jurisdicionados antes de fazer uso de planejamentos tributários agressivos...”, consoante exposto em Exposições de Motivos da MP.

Esta MP foi convertida para a Lei no. 13.202/15, mas sem este dispositivo, posto que, segundo Parece da Comissão Mista que analisou a conversão em lei, estava recebendo críticas pela utilização de expressões genéricas, tais como, “razões extratributárias relevantes”, “negócio jurídico indireto” ou “forma adotada não for usual”.

Diante deste cenário, como não falarmos, então, de uma cultura tributária do medo?

Não-Pagamento do ICMS Declarado: criminalizar é o caminho?

Dentro deste contexto convém falarmos, brevemente, da discussão sobre a criminalização – ou não – do não-pagamento do ICMS, levantada, conforme apontamos acima, por meio de audiência pública convocada em março pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso.

A questão, como era de se esperar, gera profundas divisões. De um lado, há aqueles que acreditam que a criminalização da inadimplência favorecerá o combate a prática da sonegação e a própria manutenção da ordem tributária. Do outro, juristas como o professor da USP, Heleno Torres, para os quais, o Fisco deveria se concentrar nos grandes devedores e em maiores fraudes.

Torres, aliás, reforça a ideia de cultura tributária do medo, quando, em entrevista para o Portal ConJur, explicita que a alegação de apropriação indébita tributária por não pagar valores declarados de ICMS é recurso de desespero e que a complexidade do nosso sistema tributário devasta a segurança jurídica dos contribuintes e cria problemas incontornáveis.

Em que se pese a necessidade de combater a inadimplência fiscal, a criminalização tem como principal risco, punir com extrema rigidez contribuintes com histórico de boa-fé que, por uma série de motivos, podem vir a atrasar o pagamento do valor integral do ICMS. Neste sentido, concentrar esforços nos sonegadores reincidentes, que fazem uso de recursos fraudulentos e com má-fé para burlar as regras do sistema tributário brasileiro, parece ser um caminho mais razoável do que a criminalização de todo e qualquer caso de inadimplência, sem maiores critérios.

Conclusão: redobrar a atenção é preciso!

Independentemente dos impactos advindos do cenário aqui analisado, a mensagem central e prática que podemos extrair é: o contribuinte precisa ficar com a atenção redobrada, para os prazos, desafios e complexidades do sistema tributário brasileiro.

De preferência, é importante não caminhar sozinho, mas sim, com o apoio de especialistas verdadeiramente preparados para vencer as barreiras de um ambiente fiscal obtuso e superar, assim, a cultura tributária do medo!

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