NOCLAR no Brasil e seus possíveis impactos
No último artigo mencionei uma norma internacional que será adotada pela comunidade contábil brasileira: o Non-Compliance with Laws and Regulations (NOCLAR). Gostaria neste texto de aprofundar um pouco mais o tema, visto o possível impacto da aplicação desta norma e as possíveis mudanças em nosso dia-dia no ramo de transações societárias (M&A).
Como surgiu o NOCLAR?
O Responding to Non-Compliance with Laws and Regulations é um conjunto de medidas propostas pelo International Ethics Standards Board for Accountants(IESBA), organização internacional independente que zela pelas boas práticas contábeis ao redor do globo. O grupo propõe estimular práticas éticas na profissão contábil, visando sempre o interesse público e saúde fiscal das empresas e nações. O NOCLAR busca, em linhas gerais, estabelecer uma estrutura que permita aos profissionais contábeis e auditores denunciarem possíveis condutas ilícitas que encontrem ao exercer sua atividade.
As medidas foram elaboradas globalmente, contando com visões e esmiuçando particularidades por diversos profissionais e acadêmicos do mundo. Para se ter ideia, antes de sua divulgação, foram realizadas diversas coletas de informações, exposições públicas dos rascunhos e três roundtables (grupos de discussões com diversos especialistas, realizadas em países diferentes), buscando contemplar todas as possíveis realidades que contadores e auditores encontram em diversas partes do mundo.
O que temos atualmente em termos de Resoluções que tratam do tema, quando um profissional contábil se depara com irregularidades?
Atualmente, o profissional contábil precisa seguir a Resolução do CFC no. 1.445/2013, que estabelece procedimentos a serem observados pelos profissionais e organizações contábeis, quando nos exercícios de suas funções, atendendo assim as mudanças trazidas pela Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012, que alterou a Lei n.º 9.613/1998 (Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro). Dentro desse contexto, pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, nas operações de compra e venda de imóveis, gestão de fundos, abertura ou gestão de contas bancárias, de criação de sociedades de qualquer natureza, financeiras, societárias ou imobiliárias, entre outras, devem comunicar as operações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
Mas a regra tem exceções: para as organizações contábeis que atuam com transações societárias, o artigo 12 da Resolução, menciona o seguinte:
Art. 12. Nos casos de serviços de assessoria, em que um profissional ou organização contábil contratada por pessoa física ou jurídica para análise de riscos de outra empresa ou organização que não seja seu cliente, não será objeto de comunicação ao Coaf.
Ou seja, caso o trabalho prestado tenha como natureza um serviço de diligência na ótica do comprador (buyer due-diligence), não precisará ser comunicada ao COAF.
E o que pretendem com o NOCLAR?
O NOCLAR pretende estabelecer regras claras do que fazer, a quem reportar algo ilícito e blindar este possível denunciante de futuras retaliações. Isto permitirá que o contador e auditor cumpram a sua função social, estimulando cada vez mais a adoção de práticas éticas para um mercado melhor. Entretanto, há pontos importantes a serem definidos antes da implantação no Brasil, para que todo esse esforço não seja em vão.
Questões, como por exemplo, empresas que atuam no ramo de transações societária na ponta compradora (buyer due-diligence), estarão sujeitas a algum tipo de compliance com relação a NOCLAR ou continuarão a seguir apenas a Resolução do CFC no. 1.445/2013?
Em matéria publicada no fim do ano passado no Valor Econômico, o presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Idésio Coelho, declarou apoio à norma e disse que o Brasil a adotará a partir de julho de 2017. Uma das grandes dificuldades da aplicação do NOCLAR no Brasil será criar mecanismos institucionais para que os profissionais possam reportar estes atos suspeitos. Mesmo o IESBA tendo a preocupação de deixar o NOCLAR o mais acessível possível, ainda devem acontecer discussões com representantes do Ministério Público, visando criar estas garantias aos profissionais. Existem também discussões quanto ao NOCLAR ir contra a nossa legislação vigente, o que também poderá gerar discussões e atrasar a adoção desta norma internacional.
Concluindo: uma mudança bem-vinda
Mesmo com os possíveis obstáculos, adotar uma importante medida internacional como o NOCLAR é uma boa notícia e um avanço para todos os profissionais contábeis do Brasil que acompanha a evolução global da profissão. O papel do contador mudou nas últimas décadas, não sendo mais um “guardador de livros” e sim um profissional próximo a gestão, atualizado e que colabora para o crescimento dos negócios que está envolvido. Práticas ilícitas, como vistos nos inúmeros casos de corrupção brasileiros das últimas décadas, só levam a um ganho monetário passageiro, podendo no longo prazo derrubar uma economia, afetando negativamente a credibilidade de todos os negócios brasileiros. Medidas como esta mostram a relevância de contadores e auditores para o pleno funcionamento das mais variadas empresas e sua importância para o bom e ético funcionamento de nossa nação.
*Artigo publicado originalmente no Linkedin em 07/03/2017.